Escola Paulista de Medicina

Departamento de Medicina Preventiva

Laboratório de Saúde Coletiva (Lascol)

Observatório de Políticas Públicas em Saúde

Convênio 151/2018 UNIFESP x MPF para fim de Orientação Técnica e Produção de Dados na Garantia de Direitos no Contexto da Pandemia Covid-19

Avaliar cenários com alternativas de regras de gasto para 2021, medindo seus impactos sobre as despesas federais do SUS.

Objetivo:


Analisar o cenário que prevê a manutenção das regras de gasto (regra de ouro, teto de gasto e resultado primário) e apresentar dois cenários alternativos: a) adoção de piso equivalente aos valores empenhados em 2020; b) adoção de piso equivalente aos valores empenhados em 2020 + IPCA 2020.

Introdução


Como nota introdutória, é fundamental chamar atenção para o fato de que, em meio à redação deste Produto, o Congresso Nacional está tomando as decisões estratégicas relacionadas ao orçamento de 2021. Por um lado, há indicações de que a tramitação do orçamento será acelerada, por outro, o Presidente do Senado sinaliza a votação de Proposta de Emenda à Constituição que lidará com regras fiscais e retomada do auxílio emergencial em 2021. Neste contexto, é fundamental discutir e propor saídas emergenciais para o financiamento do SUS.


O orçamento de ações e serviços públicos de saúde no Projeto de Lei Orçamentária em 2021


Em 2020, o orçamento federal de ações e serviços públicos de saúde - ASPS foi ampliado com a já discutida suspensão das regras fiscais e autorização de despesas fora do teto de gasto por meio de créditos extraordinários, viabilizadas pelo estado de calamidade e a promulgação da EC 106/2020 (“orçamento de guerra”).

Parcela do aumento de gastos foi alocada no Ministério da Saúde para enfrentamento à pandemia (a avaliação do orçamento extraordinário de saúde foi realizada no Produto 1). O gráfico 1 mostra que foram empenhados no orçamento para ASPS R$ 161 bilhões em 2020.

Portanto, com a retomada das regras fiscais, o orçamento federal ASPS será reduzido em R$ 37 bilhões, comparando-se o valor empenhado em 2020 com os recursos do PLOA 2021.

Outro aspecto que vale assinalar é que os valores autorizados em 2020, considerando os créditos extraordinários, foram de R$ 183,6 bilhões. Deste total, R$ 21,6 bilhões se referem a créditos extraordinários reabertos em 2021, conforme previsão constitucional. O valor se refere à vacinação contra a COVID-19, envolvendo os pagamentos ao Covax Facility (R$ 1,68 bilhão), fundo global coordenado pela OMS e Unicef, e a MP 1.1015 (R$ 19,9 bilhões), que autorizou recursos para vacinação em dezembro de 2020. As MPs foram editadas sob o amparo do estado de calamidade, que durou até dezembro de 2020.

Deste modo, além dos valores do PLOA, há a disponibilidade de dotações orçamentárias referentes à reabertura do saldo de créditos extraordinários. No caso da MP 1.015, quase todo o valor autorizado em 2020 foi reaberto em 2021, sinalizando que a MP foi editada com a finalidade de garantir recursos para vacinação em 2021, já que, diante da EC 95, não havia como absorver valores adicionais ao orçamento.

Inclusive, diante da reabertura do crédito, houve alteração da meta de resultado primário de 2021 para absorver os gastos com vacinação, que devem ocorrer no presente exercício. Do ponto de vista legal, é questionável se cabia a edição de MP para a vacinação, dado que a execução ocorrerá quase integralmente em 2021. Afinal, a alteração da meta de resultado primário para 2021, diante dos gastos adicionais com vacinação, sinaliza que a despesa não é imprevisível (o que seria um dos requisitos para edição de MP). Uma vez que o PLOA 2021 não está aprovado, os gastos previstos com vacinação poderiam compor as dotações ordinárias. No entanto, é impossível absorver a despesa adicional, tendo em vista o teto de gasto.

O exposto até aqui não visa a questionar a garantia de recursos para vacinação, fundamental para avançar no combate à COVID-19. O ponto é que a edição da MP em 2020 com reabertura do crédito em 2021 (não contabilizado no teto) mostra que a EC 95 sequer abre espaço para a vacinação da população, demandando que os recursos fossem autorizados em 2020, durante o estado de calamidade. Neste sentido, seria mais transparente rediscutir as regras fiscais e seus impactos sobre a capacidade estatal de combater a pandemia. Inclusive porque há outras demandas de enfrentamento à pandemia não contempladas na proposta orçamentária, conforme será visto a seguir.

Comparando-se os valores do PLOA 2021 com a LOA inicial de 2020 , percebe-se que a proposta orçamentária ASPS do governo federal tem redução de 1,1%. Mesmo cotejando o projeto orçamentário de 2020 (R$ 121,46 bilhões) e o de 2021, o crescimento nominal em 2021 é de 2%, abaixo da inflação oficial (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA), que ficou em 4,52% em 2020, e até do IPCA corretor do teto (acumulado de doze meses até junho de 2020), que foi de 2,13%. Conforme exposto no Produto 2, a redução real de orçamento ASPS é produto da combinação entre congelamento do teto aplicado às despesas primárias e do piso de saúde.

(1) Proposta orçamentária do governo federal. (2) Valores inicialmente aprovados pelo Congresso Nacional para o orçamento, sem créditos adicionais.

É importante desagregar a análise, observando os dados das principais ações do orçamento ASPS do Ministério da Saúde, considerando os valores do PLOA 2021 e LOA 2020. Os dados estão na Tabela 1, que traz as ações de maior dotação no PLOA 2021, somando R$ 117,8 bilhões (95% do orçamento ASPS).

Do ponto de vista do volume de orçamento, a principal ação do Ministério da Saúde é a Atenção à Saúde da População para Procedimentos em Média e Alta Complexidade, cuja dotação aumentou 2,9% entre 2020 e 2021. O reajuste nominal está muito abaixo do IPCA de 2020. Desta forma, não é possível, por exemplo, habilitar serviços já abertos pelos entes e que não contam com financiamento federal ou viabilizar a abertura de novos serviços.

Na medida em que ocorra aumento de custo dos serviços de saúde de média e alta complexidade não acompanhado pelo orçamento da União, estados e municípios tendem a financiar parcela crescente das despesas. No entanto, entes subnacionais dependem da arrecadação de receitas e das transferências da União, já que, diferente da União, não emitem dívida soberana. Isto é, o peso crescente dos gastos de saúde sobre estados e municípios pode implicar restrições crescentes da oferta de serviços, em meio ao aumento de demanda ocasionado pela pandemia e seus impactos.

Em relação ao piso de atenção primária em saúde, o crescimento nominal entre 2020 e 2021 foi de 3,3%, também abaixo do IPCA de 2020 (embora acima do IPCA que reajustou o teto de gasto). Outro ponto é que, para 2021, já não há recursos de transição para a nova política de atenção básica, o que poderá levar à perda de recursos por milhares de municípios em função dos parâmetros adotados.

Vale destacar que as seguintes ações sofrem redução nominal de orçamento: Formação e Provisão de Profissionais para a Atenção Primária à Saúde (dentro da qual está o Programa Mais Médicos), Incentivo Financeiro aos Estados, Distrito Federal e Municípios para a Vigilância em Saúde e Atendimento à População com Medicamentos para Tratamento dos Portadores de HIV/AIDS, outras Infecções Sexualmente Transmissíveis e Hepatites Virais.

Além disso, o Farmácia Popular (Sistema de Gratuidade) permanecerá com o mesmo orçamento em relação a 2020.

Importa assinalar que as emendas impositivas – individuais e de bancada – têm previsão orçamentária de R$ 7,28 bilhões em 2021 (praticamente o mesmo patamar da LOA 2020) e são contabilizadas no piso de aplicação de saúde. Assim, agrava-se o quadro de financiamento do SUS, sobretudo porque ações programáticas do Ministério da Saúde que não recebem recursos de emendas têm espaço fiscal ainda mais reduzido, já que as emendas consomem 6% do piso congelado de ASPS.

Por fim, salvo os créditos extraordinários de 2020 reabertos no presente exercício, não há recursos extraordinários para enfrentamento da pandemia em 2021. Mesmo diante dos números crescentes da pandemia, não há previsão de dotação para a ação de Enfrentamento da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional Decorrente do Coronavírus, na qual foram alocados os recursos extraordinários de 2020.


A redução da disponibilidade orçamentária se deve à retomada das regras fiscais em 2021 e inviabiliza o atendimento a uma série de demandas de saúde, destacando-se as seguintes:

  1. demandas represadas por procedimentos referentes a 2020;

  2. habilitações de serviços abertos pelos entes mas que ainda não contam com recursos federais;

  3. aquisição de insumos de saúde com baixa disponibilidade (por exemplo, medicamentos de UTI) e elevação de preços;

  4. manutenção e ampliação dos leitos de UTI COVID-19 habilitados pelo Ministério da Saúde, que passaram de 12 mil em dezembro de 2020 para 3,2 mil em fevereiro de 2021. Sem a aprovação de recursos extraordinários, não há como a União apoiar a manutenção e a abertura de novos leitos SUS de UTI-COVID;

  5. eventuais recursos para vacinação acima dos créditos reabertos em 2020;

  6. recursos para apoio aos laboratórios oficiais na transferência de tecnologia de saúde, valendo lembrar que a pandemia reforçou a dependência externa de insumos.

Em relação à letra d, o gráfico 2 mostra a redução dos leitos de UTI-COVID 19 do SUS entre julho e novembro de 2020, passando de 10,4 mil para 7 mil, mesmo com o aumento do número de casos. No referido período, a cada três leitos abertos, um foi desativado. Em dezembro de 2020, os leitos voltaram a aumentar para 9 mil, ainda abaixo do número de julho. Quando observada a redução dos leitos habilitados pelo Ministério da Saúde (citada anteriormente), reforça-se a tese de forte risco de restrição de oferta de serviços no contexto de aumento da demanda, tendo em vista as dificuldades financeiras dos entes subnacionais manterem os leitos sem apoio federal.

(1) https://www.conass.org.br/nota-a-imprensa-habilitacao-de-leitos-de-uti-para-covid-19/.

Em relação à letra f, convém lembrar que outras despesas não associadas ao Ministério da Saúde, mas estratégicas para o estímulo à pesquisa e à inovação no âmbito do complexo econômico-industrial de saúde, também são fortemente afetadas pela retomada das regras fiscais. É o caso do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, que, no PLOA 2021, tem 90% de suas despesas esterilizadas em reserva de contingência (R$ 4,8 bilhões, de uma dotação de R$ 5,35 bilhões).

Ante o exposto, na próxima seção serão desenhados dois cenários com hipóteses de mudanças nas regras de gasto e seus impactos sobre o SUS.

Cenários para regras de gasto e seus impactos sobre o SUS em 2021

Tendo em vista o aumento da demanda por serviços de saúde, seria razoável a aprovação de um piso emergencial para os gastos federais de saúde, inclusive em razão da reduzida capacidade de entes subnacionais ampliarem seus gastos num contexto de crise econômica e impacto sobre a arrecadação tributária. Conforme já visto no Produto 2, apenas a União é capaz de emitir dívida soberana e não requer arrecadação prévia para realizar gastos. Com o fim do orçamento de guerra, estados e municípios não mais receberão transferências federais para compensar perdas de arrecadação, tampouco haverá repasses específicos para o combate à pandemia, suportados pela suspensão das regras fiscais, que foram retomadas em 2021.

Em outros termos, o quadro atual combina aumento de demanda por serviços de saúde com redução do financiamento do SUS, criando-se o risco de uma crise sanitária, com fortes restrições à oferta de serviços.

Para mitigar os riscos do cenário acima apresentado, com despesas de saúde no piso congelado da EC 95 (nos termos do PLOA 2021), são apresentados basicamente dois cenários para ampliação de despesa, viabilizando gastos diretos da União e transferências aos entes para financiar a manutenção e expansão de leitos de UTI COVID, aquisição de insumos de saúde, como equipamentos de proteção individual e medicamentos de UTI, processos de transferência de tecnologia, contratação de profissionais de saúde, entre outros. Os cenários têm em comum a base de partida, que são os recursos empenhados em 2020, de modo a manter os valores extraordinariamente autorizados para combate à pandemia, diante do número crescente de óbitos e casos em 2021.


Cenário 1: manutenção, em termos nominais, dos valores empenhados em 2020

Em 2020, foram empenhados R$ 161 bilhões em ações e serviços públicos de saúde. Tendo em vista o patamar elevado e crescente de casos de Covid-19, este primeiro cenário prevê manutenção em 2021 do recurso aplicado em 2020, de R$ 161 bilhões. Fundamentalmente, este cenário recuperaria as perdas nominais de recursos, considerando o PLOA 2021 e os valores aplicados em ASPS em 2020.


Cenário 2: valores empenhados em 2020 + IPCA 2020

Outra opção seria um piso emergencial com base nos recursos empenhados em 2020, atualizados pelo IPCA do exercício passado (4,52%). A inflação acelerou no segundo semestre de 2020 e o IPCA que reajusta o teto (de doze meses, acumulado até junho de 2020) não captou a maior parte da elevação de preços.

Por esta razão, seria importante atualizar o orçamento de saúde pela inflação fechada do ano, sobretudo considerando o aumento dos preços de insumos de saúde e seu impacto sobre o orçamento de estados e municípios. A fórmula resultaria em um mínimo obrigatório de R$ 168,3 bilhões, próximo ao valor defendido em petição pública pelo Conselho Nacional de Saúde.

A tabela 2 traz a síntese dos dois cenários apresentados.

(4) Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/ultimas-noticias-cns/1297-peticao-publica-voce-vai-deixar-o-sus-perder-mais-r-35-bilhoes-em-2021

Duas observações são fundamentais para a proposição de cenários relacionados ao financiamento federal do SUS em 2021. Primeiro, não há espaço fiscal para ampliação dos gastos sem a suspensão/revogação das atuais regras fiscais. Neste sentido, uma suspensão temporária das regras requereria a decretação do estado de calamidade e a retomada da EC 106/2020 (solução adotada em 2020) ou a aprovação de uma Emenda à Constituição que previsse a flexibilização fiscal em 2021 (como o teto de gasto e a regra de ouro são constitucionais, é necessária alteração à Constituição).

Outro ponto fundamental é que os R$ 21,6 bilhões de créditos extraordinários de 2020 reabertos para a vacina em 2021, uma vez empenhados, serão contabilizados no mínimo obrigatório de 2021. Isso porque os recursos são classificados como ações e serviços públicos de saúde, nos termos da Lei Complementar nº 141, de 2012. Deste modo, dentro dos valores adicionais ao PLOA 2021 (Proposta piso 21 – PLOA 21 na tabela 2), já seriam considerados R$ 21,6 bilhões e o saldo restante poderia ser destinado a novas despesas para combate à pandemia. Por exemplo, no cenário 1, dos R$ 37,2 bilhões adicionais, R$ 21,6 bilhões seriam referentes aos créditos reabertos da vacinação e R$ 15,6 bilhões, às demais ações. Os recursos da vacinação não contabilizariam no piso de aplicação de saúde apenas se houvesse disposição legal explícita em contrário.

(5) Conforme exposto anteriormente, a tese da edição de créditos extraordinários para despesas adicionais de combate à pandemia é juridicamente questionável, já que parece não estar presente o requisito da imprevisibilidade.

Conclusões:

  • Com a retomada das regras fiscais em 2021, há uma perda de recursos para o SUS de R$ 37 bilhões, resultante da diferença entre os valores ASPS empenhados em 2020 e o PLOA 2021, encaminhado no piso congelado da EC 95. A perda ocorre no contexto de aumento de demandas para o SUS e ampliação de casos de COVID-19. A redução de financiamento do SUS em 2021 implicará fortes restrições à oferta de serviços, sobretudo considerando as limitações financeiras dos entes subnacionais em meio à crise econômica e sanitária em curso.

  • Conforme demostrado na tabela 1, em 2021, não há recursos específicos para enfrentamento da pandemia (salvo os créditos reabertos para vacinação) e diversas dotações sofrem decréscimo nominal ou real.


Recomendações:

Propor piso emergencial para despesas federais ASPS em 2021, considerando os cenários descritos na Tabela 2 e as demandas por mais recursos de saúde, especialmente:

  1. demandas represadas por procedimentos referentes a 2020;

  2. habilitações de serviços abertos pelos entes mas que ainda não contam com recursos federais;

  3. aquisição de insumos de saúde com baixa disponibilidade (por exemplo, medicamentos de UTI) e elevação de preços;

  4. manutenção e ampliação dos leitos de UTI COVID-19 habilitados pelo Ministério da Saúde, que passaram de 12 mil em dezembro de 2020 para 3,2 mil em fevereiro de 2021;

  5. eventuais recursos para vacinação acima dos créditos reabertos em 2020;

  6. recursos para apoio aos laboratórios oficiais na transferência de tecnologia de saúde, valendo lembrar que a pandemia reforçou a dependência externa de insumos.

Dados do projeto

SEI: 23089.119990/2020-83

Contrato: Convênio 151/2018 UNIFESP x MPF

Projeto: LASCOL Observatório

Coordenador: ADEMAR ARTHUR CHIORO DOS REIS arthur.chioro@unifesp.br

Objeto: Atender à questão-problema II - Avaliar o uso do Orçamento Federal no enfrentamento da pandemia

Equipe do Projeto de Pesquisa


Arthur Chioro (coordenador)

Ana Paula Menezes Sóter (bolsista)

Bruno Moretti (bolsista)

Lumena Almeida Castro Furtado

Jorge Harada

Luis Tofani

Andre Luiz Bigal

Larissa Maria Bragagnolo

Elaine Maria Giannotti (bolsista)

Mariana Alves Melo (bolsista)

Deize Graziele Conceição Ferreira Feliciano

Gabriela Rodrigues da Silva (bolsista)

Fernanda Souza Lopes de Camargo (bolsista)

Daniele Vieira Passos (bolsista)

João Vitor Chau Bernardino

Faça o download do arquivo abaixo.

Produto 3 MPF Unifesp_Lascol (1).pdf